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Cultura popular, cultura de elite, cultura de massa

Orlando Fedeli


Cultura de massa é, em nossos dias, conceito dos mais amplos, abrangendo, muitas vezes, toda e qualquer manifestação de atividades ditas populares. Do carnaval ao rock and roll, do jeans à coca-cola, das novelas da televisão às revistas em quadrinhos, tudo, hoje, pode ser inserido no cômodo e amplo conceito de cultura de massa.
Todavia, muitos dos que assim utilizam tal conceito ver-se-íam em dificuldades se indagados acerca de sua real abrangência.
Antes, porém, de estudar o que vem a ser cultura de massa, cabe perguntar: o que é cultura? O que é massa?

Povo e Massa
O Papa Pio XII, em sua célebre Radiomensagem de Natal de 1944, distinguiu magistralmente os dois conceitos.
O povo, ensina o Pontífice, é formado por indivíduos que se movem por princípios. Ele é ativo, agindo conscientemente de acordo com determinadas idéias fundamentais, das quais decorrem posições definidas diante das diversas situações .
A massa, ao contrário, não passa de um amálgama de indivíduos que não se movem, mas são movidos por paixões. A massa é sempre, e necessariamente, passiva. Ela não age racionalmente e por sua conta, mas se alimenta de entusiasmos e idéias não estáveis. É sempre escrava das influências instáveis da maioria, das modas e dos caprichos que passam.
A massa é como a areia movida pelo vento, ou o rebanho nas mãos do pastor. Movem-na apenas veleidades: o dinheiro, a facilidade, o luxo, o prazer, o prestígio.
Como animais que temem desgarrar-se do rebanho, os indivíduos que compõem a massa jamais discordam da maioria. Pergunte a um jovem se conhece determinado cantor da moda, e ele terá imensa vergonha em confessar sua eventual ignorância. Em seguida, ele procurará conhecer tal cantor, decorar suas músicas (mesmo que na verdade não as aprecie), conhecer sua história. Somente então, sentir-se-á reconfortado, pois estará finalmente "como todo mundo".
A inserção na massa lhe impõe que se vista como os outros, que coma como os outros, que goste do que gostam os outros.
Ser, pensar, agir, estar sempre, obrigatoriamente, "como os outros" é amoldar-se inexoravelmente a esse implacável "deus" chamado "todo mundo". É renunciar à própria individualidade, trocando-a pelo amorfo e medíocre "eu coletivo" da multidão.
Inserir-se na massa é socializar a si mesmo.
A massa é, portanto, o povo degenerado.
Pode a massa ter cultura?

Cultura
Alguém definiu cultura, sob o prisma individual, como aquilo que permanece após ter-se esquecido tudo o que se aprendeu.
Transplantando tal conceito para o plano coletivo, poderíamos afirmar que cultura é o resíduo, imune à ação do tempo, dos conhecimentos - em sentido amplo - fundamentais dos povos. A cultura de determinada civilização vem a ser, portanto, o conjunto de seus valores e conhecimentos perenes.
Como se forma a cultura de um povo?
O termo cultura tem sua origem na agricultura, em razão da flagrante analogia entre as etapas do cultivo de um terreno e a formação da cultura humana.
Com efeito, a cultura de um terreno pressupõe sua limpeza de toda sujeira e ervas daninhas, a aragem e o cultivo dos vegetais desejados.
A plantação deverá obedecer determinadas regras. Será preciso plantar, antes de mais nada, coisas úteis, eis que uma cultura de ervas daninhas será uma falsa cultura.
Ademais, será necessário plantar em ordem, de maneira que, por exemplo, cada cereal esteja separado dos demais, a fim de que possa receber o tratamento que mais lhe convém.
Algo análogo se passa com a formação da cultura dos homens e dos povos.
Antes de mais nada, a boa cultura exige que se limpem as inteligências de todos os erros e falsas opiniões - ervas daninhas de nossas mentes - que comprometem tudo o que nelas venha a ser plantado.
Após, será preciso "arar" nossas inteligências, habituando-as a pensar. Pois apenas estudar não significa adquirir cultura: há analfabetos mais "cultos" do que muitos eruditos.
Finalmente será chegado o momento de "plantar", ordenadamente, verdades úteis em nossa mente.
Não basta, portanto, ao ser humano estudar, mas é preciso, antes de mais nada, selecionar aquilo que se estuda e se guarda, de modo a se conhecer coisas úteis.
Uma lista telefônica, por exemplo, está repleta de informações verdadeiras. Todavia, nenhuma utilidade traria seu estudo. Se olharmos em torno de nós, veremos com surpresa quantos há que dispersam seu tempo e inteligência com absolutas banalidades.
Além de ter por objeto coisas úteis, a formação cultural exige que se observe determinada ordem no estudo, a qual hierarquize nossos conhecimentos de forma lógica.
Assim, temos que, a cultura da enciclopédia - que posiciona os temas de acordo com sua "ordem" alfabética, e não sua importãncia ou encadeamento lógico - não pode ser considerada verdadeira cultura. Pois a enciclopédia, vasta e superficial, pode ser comparada com um oceano que uma formiga atravessaria com água pelas patas...
Visto o processo de formação cultural - que, mutatis mutandis, se aplica também à formação da cultura dos povos - cabe responder à indagação acerca da possibilidade de existência de uma cultura de massa.
É fácil perceber, tendo em vista o ensinamento de Pio XII, que a resposta somente pode ser negativa, na medida em que a massa, por definição passiva, não é capaz de cultivar - "limpar", "arar", "plantar" -, por si mesma, o que quer que seja.
A pseudo-cultura de massa não passa, na verdade, de um oceano de imposições ditadas pelos meios de comunicação, muitas vezes idênticamente destinadas às mais díspares regiões e povos.
Não é por outro motivo que as massas, sejam da América, Europa ou Ásia, apreciam e produzem a mesma arte, vestem as mesmas roupas, gostam das mesmas comidas. Não é por razão diversa que os estilos, as maneiras, as tradições, enfim, a cultura peculiar de cada povo vem dando lugar, em larga medida, a uma triste "standardização" universal.
Exatamente por não partir genuinamente dos povos, mas ser sempre uma imposição de cima para baixo, a pseudo-cultura se mostra indiferente e imune às profundas diferenças existentes, por exemplo, entre japoneses e italianos, ou entre norte-americanos e árabes: todos consomem os mesmos hamburgueres e coca-colas...
Todos receberam a mesma falsa e estereotipada "cultura".

Cultura Popular
Algo totalmente diverso, porém, ocorre em relação ao povo. Este tem movimento próprio, guardando seus próprios princípios e movendo-se de acordo com eles. Ao povo é dado, portanto, formar sua própria cultura, reflexo evidente das idéias fundamentais que o movem.
Ao contrário da chamada "cultura" de massa, a cultura popular tem suas raízes nas tradições, nos princípios, nos costumes, no modo de ser daquele povo.
Desta forma, cada povo produz, por exemplo, uma arte peculiar, reflexo de suas específicas qualidades, necessariamente diversa das artes de outros povos. Assim, por exemplo, houve uma verdadeira arquitetura colonial brasileira - expressão de autêntica cultura de nosso povo -, muito diferente da arte de escultores de outros povos.

Cultura de Elite
Mas a verdadeira cultura popular não se esgota em si mesma.
Conforme ensina o mesmo Pio XII, o povo sempre produz uma elite, formada por aqueles que se destacam nos mais variados campos.
E essa elite, naturalmente, aperfeiçoará a cultura popular. Portanto, é a cultura popular a causa eficiente da verdadeira cultura de elite, a qual não lhe é oposta, mas prolongamento natural dela, como a flor é produto da raiz.
Raiz e flor não se repelem, amam-se. A flor é o "orgulho" da raiz, pois esta é mãe daquela.
Vivaldi, Handel e numerosos outros compositores clássicos foram buscar temas para suas músicas nas canções populares de seu tempo. Não fosse a boa poesia popular, a literatura não teria Os Lusíadas ou A Divina Comédia.
A pobre massa, por sua vez, não produz elite, nem cultura. Dela somente nasce destruição da verdadeira cultura.

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Para citar este texto:
Orlando Fedeli - "Cultura popular, cultura de elite, cultura de massa"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=politica&artigo=cultura〈=bra




American Graffiti
Coming-of-age

Acabava eu de ver American Graffiti e pensava que não possuía material suficiente para fazer uma crítica digna desse nome ao processo criativo que visualizara. E acredito que o texto que se segue não será, de todo, longo. No entanto, após pensar seriamente na película resolvi escrever algumas palavras de homenagens a um produto, de certa forma, incompreendido. E percebo que o seja. Afinal, aquando do término da fita lutei bastante para perceber na sua tental extensão as virtudes do filme de George Lucas. Contudo, depois de reflectir compreendi alguns aspectos que merecem discussão, sobretudo devido à complexamente simples forma como estão mascarados sob um manto de juventude inocente. Além disso, existiu outra razão que me levou a escrever sobre American Graffiti. Foi essa a sua banda sonora, ou deverei dizer, a soberba banda sonora. Só pelo facto de esta estar presente no filme, este último merece que se fale sobre ele. Importa ainda referir o quão determinante foi a longa-metragem para o futuro do cinema ou, pelo menos, os contornos que eles ganharam com o sucesso deste projecto.

Assim sendo, vamos por partes. E irei começar, precisamente, pela última, ou seja, a sua importância para o mundo cinematográfico. Estávamos no longínquo ano de 1973 e um realizador até então pouco conhecido de seu nome George Lucas resolveu conceber uma fita sobre o coming-of-age de alguns adolescentes que pode ser considerada levemente autobiográfica. Atente-se que o filme retrata a última noite de uma série de jovens antes de ingressarem na Universidade no ano de 1962. Ora, no espaço temporal que o período decorre, Lucas teria 18 anos, a idade exacta que assola a maior parte das personagens do filme. Certo é que poderia não passar de uma mera coincidência. Contudo, Lucas, a par de Gloria Katz e Willard Huyck (ambos apenas um ano mais velhos que Lucas), escreveu o argumento que serviu de base para os actores brilharem. Mas não é um simples argumento. Revela-se um argumento fabuloso onde os pormenores da década retratada são demasiado perfeitos para não se basearam em eventos reais. E levante o braço quem nunca recordou os velhos tempos com os seus amigos... Ora, Lucas fez mesmo, mas levou a ideia mais longe e adaptou-a ao grande ecrã. E tudo isto para dizer o quê? É simples. Para referir que todas as estrelas se alinharam e o filme foi um enorme sucesso cinematográfico, tanto a nível de crítica, como ao nível do box-office tornando-se em uma das fitas mais rentáveis da história da sétima arte. American Graffiti acabou por arrecadar cinco nomeações para os Oscars incluindo "Melhor Filme", "Melhor Realizador" e "Melhor Argumento". A carreira do realizador estava lançada. E o que se seguiu? Star Wars, meus amigos, uma das sagas mais rentáveis de sempre. E depois disso apareceu Indiana Jones e depois.. ehh.. nada de extraordinário mas era preciso mais? Daí a importância do filme no mundo da sétima arte.

O meu próximo tópico de discussão recai sobre a mensagem do filme. Mas a verdade é que não estamos exactamente perante a presença de uma mensagem mas antes de uma reflexão acerca do melhor período da vida do homem. Aparentemente, o filme acaba e percebemos que visualizamos algumas horas das vidas de diversos adolescentes e as suas relações com o meio envolvente. De certa forma, todos estão relacionados apesar de seguirem caminhos distintos nessa noite em particular. Mas o que torna American Graffiti especial e distinto é a abordagem. Hoje em dia, todos os filmes sobre teens acabam por ser extremamente ligados ao sexo, às piadas estúpidas e à agressividade infundada. Na fita de Lucas temos o exemplo perfeito sobre o que deve ser um teen movie. Temos um estudo semelhante ao que Mike Nichols havia proposto com o fabuloso The Graduate, ou seja, as questões relativas à solidão e, sobretudo, às tomadas de decisão. Afinal, determinadas decisões acarretam o peso do Mundo nas nossas costas pelo que o resultado final está necessariamente ligado ao momento em que ela foi tomada. E a personagem que nos leva a viajar pelo mundo da indecisão é Curt Henderson, brilhantemente interpretado por Richard Dreyfuss. Mas não é o único. Também Terry Fields (Charles Martin Smith) está perante a mesma decisão de Curt, isto é, se devem ou não abandonar a sua terra natal em detrimento de uma universidade em uma nova cidade. Mas temos outras personagens com outros problemas e, muito sinceramente, torna-se mais prazeroso visualiza-los do que ler sobre eles. Afinal, este é daqueles filmes que contém, pelo menos, uma personagem com quem nos podemos identificar. Temos ainda a temática relativa às oportunidades onde o filme fortemente menciona que não as teremos disponíveis quando as desejamos. É crucial saber quando e como as aproveitar de forma a fazer delas o expoente máximo do oportunismo.

De seguida temos o último tópico de discussão, ou seja, a banda-sonora. E tudo isto porque se revela uma selecção imaculada repleta de clássicos que se afigura uma das melhores compilações sonoras em um projecto cinematográfico. Desde o início da fita com o enérgico "Rock Around the Clock" de Bill Haley and the Comets, que se poderia perceber que estariamos perante algo de muito especial. Aliás, a edição disponível para venda contém dois cds que produzem um total de 41 músicas que são uma autêntica revisitação ao passado. Destacam-se os nomes de The Beach Boys, The Platters, Chuck Berry, Fats Domino, The Cleftones, Booker T. and the M.G.'s, The Diamonds, Buddy Holly entre muitos outros. Mas a banda-sonora não é a única componente digna de destaque. Existe a fabulosa montagem que de resto valeu uma nomeação ao Oscar para Marcia Lucas ou a estimulante fotografia de Ron Eveslage e Jan D'Alquen. Brilhantemente produzido por Francis Ford Coppola, American Graffiti ainda conta com uma soberba realização de Lucas e um punhado de excelentes interpretações. Além das mencionadas supra, temos um extraordinário Paul Le Mat a lembrar Marlon Brando, um irrequieto e surpreendente Ron Howard (sim, esse mesmo), uma Mackenzie Philips a trazer à memória o estilo único de Marylin Monroe, um Harison Ford em início de carreira e uma fascinante Candy Clark (nomeação para o Oscar de "Melhor Actriz Secundária").

American Graffiti não é, de todo, aquela fita que o indivíduo comum ganha um gosto imediato. É fundamental perceber o seu contexto social e entender a mentalidade vivida na época retratada. E é normal que esta película diga muita mais à população norte-americana do que à restante. Afinal, este filme é aquele que, no ano de 1973, teve um enorme sucesso devido à enorme quantidade de pessoas que foi ver o seu passado desenrolar no grande ecrã. Assim, temos, sobretudo, uma obra nostálgica repleta de momentos clássicos. Até pode ser considerado um true american classic. E vivia-se uma época alienada da guerra e da perversidade. Era a era da inocência. E é fabuloso observar a inocência desenrolar-se à frente dos nossos olhos enquanto pensamos "quem me dera ter vivido naquela época". A música, os carros, a bebida, a dança, as atitudes, tudo se desenvolve em uma panóplia de emoções que se revelam uma ode à juventude e aos tempos de liberdade absoluta.


A Frase

"Someone wants me. Someone roaming the streets, wants ME... Will you turn the corner?"

   


Texto Extraído do blog:
http://cinemaismylife-fifeco.blogspot.com